Intervenção militar dos EUA na Venezuela começa a ser desenhada
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Nestas últimas semanas, às já reforçadas medidas de pressão econômica por meio de sanções e a permanente pressão política e diplomática exercida por organismos internacionais, think tanks e empresas de comunicação hegemônicas, somam-se múltiplas afirmações, rumores e referências a uma possível intervenção militar em Venezuela.
Por Silvina M. Romano, Arantxa Tirado y Aníbal García Fernández (*)
Apesar de não se tratar de uma ameaça “nova”, é preocupante a visibilidade que se tenta dar a esta hipótese, apresentada como um passo possivelmente “necessário”, para legitimar um ato que implica em si mesmo a total ingerência em os assuntos internos de outro Estado, afetando diretamente a soberania territorial (que entre outras questões, viola o artigo 3° da Carta da OEA).[1] Do ponto de vista geopolítico e de segurança nacional, pode ser interpretada como “declarações de guerra”. No entanto, por estar avalizada pela comunidade internacional, é apresentada como ação necessária para garantir o “bem-estar do povo venezuelano”.
Diferentes funcionários públicos e organismos do Governo dos EUA têm dado declarações e tomado decisões que apelam de modo direto ou indireto a uma possível intervenção militar na Venezuela:
– Em 2015, foi divulgado que o Comando Sul preparou um operativo de intervenção na Venezuela partindo de Honduras.
– Em 2017, Trump insinuou a possibilidade de realizar uma intervenção militar na Venezuela. O presidente colombiano afirmou que essa não era a via indicada.
– Segundo o orçamento do Pentágono (Departamento de Defesa) para 2019, pretende-se aumentar em 25.900 efetivos as forças militares dos EUA.[2]
– A Estratégia de Segurança Nacional para 2018 aborda explicitamente a necessidade/urgência de propiciar uma mudança de regime na Venezuela — e também em Cuba.
– Em fevereiro 2018, o Secretário de Estado dos EUA, em sua visita pela América Latina, disse que, no caso da Venezuela, os militares poderiam intervir para promover uma mudança democrática.
Opinião especializada:
– Think tanks influentes dos EUA vêm publicando análises nas quais se aborda a hipótese de intervenção militar em Venezuela. Em um artigo da revista Foreign Affairs, por exemplo, se esclarece que uma intervenção militar é um assunto delicado, porque nem sempre gera os resultados esperados de modo imediato e, no caso da Venezuela, poderia conduzir a anos de ocupação militar (o que é concebido como sendo pouco rentável). Especula-se que o resultado que teria o uso da coerção através de uma demonstração de força o suficientemente crível como para “convencer o alvo de que ele será castigado se não mudar de opinião: Para convencer Maduro a negociar com a oposição e restituir a lei, Washington deveria acionar um porta-avião e um ou dois destroieres para a região”. Outra alternativa seria a de um ataque aéreo para buscar a divisão interna das Forças Armadas Venezuelanas, conseguindo um golpe militar contra Maduro que permita a intervenção das forças armadas dos EUA junto com exércitos latino-americanos. Destaca-se, no entanto, que esta situação pode levar a uma desestabilização tamanha que demandaria a presença de 200 mil soldados na Venezuela até que o cenário se restabelecesse.[3]
– Outros think tanksque defendem a liderança dos EUA quanto às soluções diante do “problema venezuelano” detalham a possibilidade de alguma saída militar. O diretor do Inter American Dialogue, Michael Shifter, disse, com respeito a declarações do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, contra Venezuela: “As fortes palavras de Santos contra o Governo de Maduro e a rejeição a suas eleições expressas indicam que a Colômbia sente o mesmo que os Estados Unidos com relação à Venezuela…”.[4]
– Moisés Naím, um dos acadêmicos com maior presença em meios hegemónicos e também membro do Inter American Dialogue declarou que “Nicolás Maduro é o Saddam Hussein da América Latina”, mas também se preocupou em “descartar” a saída militar como solução possível.[5] A referência à saída militar é uma forma de outorgar-lhe visibilidade como palco possível.
– Outros think tanks convocam a uma oposição aberta ao chamado de eleições: A Washington Office on Latin America (WOLA) convoca diretamente a comunidade internacional a opor-se ao chamado para as eleições na Venezuela, por serem ilegais e ilegítimas.[6] Também adverte sobre a inconveniência de aprofundar sanções econômicas, em particular o embargo ao petróleo venezuelano [ver mais abaixo].
Opinião Pública:
Empresas de comunicação
Boa parte desses relatórios e análises dos think tanks são reproduzidos pelas grandes empresas de comunicação.
– Um exemplo é o artigo de opinião de David Smilde,[7]da WOLA, no The New York Times, no qual ele faz uma analogia com a invasão estadunidense ao Panamá, em 1989. É provável que estejam pensando em uma operação militar rápida, apoiada pelo Grupo de Lima, formado por doze países do continente e que tiveram uma reunião em 13 de fevereiro para discutir a o caminho contra a Venezuela.[8]
– Também chama a atenção o destaque dado pela imprensa a um artigo de Ricardo Housmann (atual diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional de Harvard, ex-ministro do Planejamento da Venezuela durante o Governo de Carlos Andrés Pérez e ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento) publicado no começo de janeiro,[9]mas que segue tendo repercussão. O autor afirma que as medidas até agora impostas contra o governo de Maduro não têm cumprido seu propósito e a maioria dos venezuelanos “almeja alguma forma de deus surgido da máquina que os salve desta tragédia”, o que segundo Hausmann poderia levar a uma “intervenção militar”.[10]
Organismos internacionais
Simultaneamente aos rumores e publicações sobre suspeitas de intervenção militar espalhadas pela imprensa, somam-se ações concretas de organismos internacionais. Fundamental para manipular a opinião especializada e pública a fim de justificar “qualquer tipo de intervenção”.
– A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denunciou recentemente em um extenso relatório o “alarmante debilitamento” dos direitos humanos e da democracia na Venezuela, que se “intensificou” nos últimos dois anos.[11]
– No último relatório da Human Rights Watchadverte-se quanto ao poder cada vez mais “onipotente” do executivo venezuelano, porque não há poder que possa opor-se a ele — fica aqui aberta a possibilidade/necessidade de quase qualquer tipo de saída-.[12]
Demonstração de força em Colômbia e Panamá
Esta é a estratégia que tenta ser instalada na opinião pública nas últimas semanas.
– Após a visita de Rex Tillerson por vários países da América Latina, o almirante Kurt W. Tidd reuniu-se com altos comandos colombianos, entre eles Juan Manuel Santos, o vice-presidente Óscar Naranjo —especialista em guerra contra insurgente e na formação de paramilitares—, o ministro de Defesa Luis Villegas e o chefe de Defesa Alberto José Mejía.[13]
– Desde o fim de semana alertou-se para a chegada de tropas estadunidenses (marines) em território panamenho. Sem ter ainda a ordem oficial, chegaram, desde 2 de janeiro, 415 membros da força aérea estadunidense. O “acordo” entre Panamá e EUA faz parte dos exercícios militares denominados “Novos Horizontes” e serão realizados nas províncias de Darién, Veraguas e Coclé.[14]Os militares estadunidenses poderão estar uniformizados e armados em território panamenho e ficarão até junho de 2018, período que corresponde com as eleições venezuelanas.
Argumentos que poderiam ser utilizados para justificar invasão de Venezuela a partir da Colômbia:
– A Agência EFE adverte que a guerrilha ELN “está utilizando” cidadãos venezuelanos em seus atentados, eles seriam recrutados depois de chegar ao país andino fugindo da crise que vive a nação petroleira, como afirmou o comandante das Forças Militares de Colômbia, general Alberto Mejía.[15]
– O Maritime Herald, mencionou que para vários comentaristas internacionais (não especifica quais), a luta contra o narcotráfico na Colômbia esconde planos contra a Venezuela, sobretudo no departamento de Tumaco e seus arredores. Além disso, sem dar mais informações, ressalta que poderia ser criada uma força naval conjunta entre Estados Unidos, México e Colômbia para bloquear a rota do Pacífico da droga. Diz que em vários bairros de Tumaco há presença de grupos narcotraficantes e paramilitares, o que poderia ser a desculpa para a suposta invasão a Venezuela. Segundo o analista venezuelano Sergio Rodríguez Gelfestein, as Autodefensas Gaitanistas de Colômbia, bem como o Exército Paramilitar de Norte de Santander pretendem entrar em território venezuelano e já têm representantes em Llano Jorge e San Antonio do Táchira.[16]
– No caso de intervenção, propõem a operação de um amplo espectro, conjunta e combinada, priorizando objetivos estratégicos: força decisiva, projeção de poder, presença ultramar e agilidade estratégica. Estes objetivos vêm no Joint Vision 2020 [17]e combinam com a pressão diplomática internacional, sanções econômicas e a constante busca dos setores opositores ao Governo.
Cenário de crise humanitária” que afetaria a região:
– Reforça-se o cenário de crise humanitária por suposta “migração em massa e permanente” de venezuelanos à Colômbia[18]. O objetivo é provocar impacto negativo na opinião pública internacional que justifique “qualquer saída”.
– Tillerson falou sobre a possibilidade de redirecionar recursos destinados a aliviar a crise humanitária na Venezuela para Colômbia, pois reconheceu o peso que a chegada em massa de venezuelanos está causando ao país. Outro alto servidor público do Departamento de Estado afirmou que o Governo dos EUA estaria disposto a dar “ajuda técnica” a Brasil e Colômbia para ajudar com o problema. “Pedimos que os mantenha perto de a fronteira com a Venezuela para que possam voltar para casa quando a democracia em seu país tiver sido restaurada”.[19]
A arremetida contra a Venezuela inclui, há anos, diversas estratégias orientadas a desestabilizar o Governo bolivariano e posicioná-lo negativamente diante da opinião pública e “especializada” internacional, com o objetivo de legitimar diversos mecanismos de ingerência por meio de pressão política, diplomática, midiática e econômica. A ameaça de intervenção militar, no entanto, não é nova mas se soma a esta dinâmica de pressão permanente e crescente para “castigar” ao processo de mudança, operando como um fator de desestabilização a mais, cujo fim último passaria por uma “mudança de regime” que, até o momento, não conseguiram concretizar. É preciso estar atento a como evoluem os acontecimentos.
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