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Com 354 casos da doença e oito mortos, Campo Grande adotou o lockdown por 20 dias em meados de março(foto: Divulgação/Prefeitura de Campo Grande)
Estão no Centro-Oeste o estado e a capital que concentram os menores índices relacionados ao novo coronavírus no Brasil. Trata-se do Mato Grosso do Sul e de Campo Grande, respectivamente. Ontem , o governo da unidade federativa havia registrado 2.253 pacientes infectados pela COVID-19 e 21 óbitos. A principal cidade tem apenas 354 registros confirmados e conta oito mortos, conforme o último balanço de sexta-feira. Quais caminhos ambos seguiram para manter baixos os números? O Estado de Minas procurou explicações e mostra o bom exemplo, em meio aos tristes recordes do Brasil.
Em Campo Grande, capital que abriga cerca de 774 mil pessoas, o combate à pandemia começou por meio de um alerta do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em fevereiro. Mandetta, que é primo de primeiro grau do prefeito da capital do Mato Grosso do Sul, Marquinhos Trad, alertou para a gravidade do coronavírus. Trad, por sua vez, instituiu um plano municipal de enfrentamento ao coronavírus.
“No dia 14 de março, Campo Grande foi a primeira capital a fechar todo o comércio e suspender todas as aulas nos municípios. Fechamos shoppings, escolas, academias, camelódromos e proibimos funcionários acima de 60 anos, limitamos transporte coletivo para agentes de saúde pública e particular. Fechamos todas as construções e todos os templos religiosos”, contou Trad à reportagem.
O lockdown (expressão inglesa para o fechamento mais rigoroso) durou quase 20 dias. Parte do comércio foi reaberto com regras sanitárias em 4 de abril. Houve uma segunda etapa no dia 17 do mesmo mês, com a retomada de shoppings, academias, entre outras atividades. Durante o tempo em que os estabelecimentos ficaram de portas fechadas, a Prefeitura de Campo Grande atuou em três vertentes: na compra de equipamentos de proteção individual; no aumento do número de leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs), além da contratação de mais funcionários para a área da saúde.
“A partir daí, começamos a enfrentar a pandemia, criando regras para não matar a economia. Começamos a não afrouxar e não flexibilizar, mas reabrir determinados setores com regramento e apresentação de projetos de contenção de risco e de planos de biossegurança assinados por profissionais da vigilância sanitária, médicos e infectologistas”, destaca o prefeito.
Planos de restrições são revisados semanalmente pela administração municipal. Entre as regras para o comércio, como por exemplo, o setor varejista, shoppings, academias e templos religiosos, está a limitação da capacidade de atendimento de pessoas em 30% dentro desses espaços. Fiscalização é feita pela prefeitura e a Guarda Municipal. O terminal rodoviário da cidade funcionou inicialmente apenas para o transporte intermunicipal. Numa etapa posterior, foi fechado devido à alta velocidade de contágio constatada no interior nos últimos dias.
“A concessionária não estava aferindo a temperatura de passageiros que desembarcavam na nossa cidade”, afirmou Trad, que usou como exemplo Dourados, segundo maior município de Mato Grosso do Sul, que tem 571 casos confirmados de coronavírus.
Os testes na cidade são feitos por amostragem. O isolamento atende aos resultados obtidos. “Estamos fazendo barreiras sanitárias nas cinco entradas da cidade e fazendo blitzes nas sete regiões urbanas e nas duas regiões rurais de nossa cidade. Temos um drive-thru. A gente escolhe bairros, cujos isolamentos sociais são monitorados pela tecnologia. Lá nesses bairros fazemos uma amostragem de 30 testes. Se der um positivo a gente já faz o isolamento completo, contou Marquinhos Trad.
Hoje, cerca de 111 mil alunos da rede municipal voltarão às aulas por meio remoto. Os estudantes assistirão aos conteúdos pela televisão. Já o retorno das instituições privadas, de acordo com o prefeito, está marcado para 1º de julho, desde que o índice de ocupação de leitos em Campo Grande não passe dos 50%. Está em 6,4%. Ao todo, há 93,4% de leitos vazios na cidade.
Mapeamento
No estado do Mato Grosso do Sul, a ação rápida da Secretaria Estadual de Saúde foi fundamental para controlar a pandemia. Um dos grandes trunfos da pasta foi o mapeamento da rede de contatos das pessoas infectadas por dois meses. À reportagem, o secretário Geraldo Resende afirmou que a ciência foi a principal aliada para o combate à COVID-19.
“A gente se antecipou quando viu as primeiras repercussões da doença nova na China, em Wuhan, e já em janeiro começamos a discutir internamente como enfrentaríamos essa doença, já que naquele momento se dizia que ela ia chegar em todos os países”, disse.
Também foram criadas 17 barreiras sanitárias em todas as divisas e fronteiras do Mato Grosso do Sul. Além disso, a Secretaria Estadual de Saúde criou uma espécie de hospital de campanha para receber pacientes infectados por coronavírus. “Definimos o Hospital Regional do Mato Grosso do Sul como hospital de referência de COVID-19, hospital próprio do estado. Tiramos todos os pacientes e remanejamos para outras unidades com convênio com o estado. Criamos uma estrutura anexa, como se fosse um hospital de campanha”, salientou Resende.
Nos últimos 15 dias, a velocidade de contágio subiu consideravelmente no Mato Grosso do Sul. Isso ocorreu porque funcionários de um frigorífico na região Sudoeste do estado foram infectados, inclusive, uma colaboradora indígena. Agora, a secretaria trabalha para diminuir o avanço da doença. A baixa adesão ao isolamento social também tem sido um problema no Mato Grosso do Sul. A taxa apresentou uma forte queda desde o começo da pandemia, fator este que ajudou a acelerar o contágio no estado.
Capital nega subnotificação
Pesquisa divulgada pela plataforma de internet Lagom Data indicou que Campo Grande lidera a lista de óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por cada morte por COVID-19. A estatística aponta que a cada vida perdida por coronavírus na cidade representa 11,6 pessoas que faleceram por complicações de SRAG.
De acordo com a Prefeitura de Campo Grande, entre março e o mês passado, a capital registrou 13 óbitos por SRAG, das quais sete em março e uma morte provocada por COVID-19, além de quatro em abril e duas em maio. No mesmo período do ano passado, 11 pessoas perderam a vida por complicações respiratórias, sendo três em março, duas em abril e seis em maio.
A administração municipal garante que não há subnotificação, uma vez que todos os casos são atestados laboratorialmente. Na cidade, ainda segundo a prefeitura, todo caso notificado como SRAG tem de ser submetido à investigação para COVID-19, além de outros vírus. A prefeitura também ressaltou que o aumento de notificações se deve ao rastreamento, que está está sendo feito em maior escala.
Justiça
O prefeito Marquinhos Trad conta que lidou com a oposição de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro durante o fechamento do comércio em Campo Grande. Trad teve que acionar a Justiça para impedir manifestação na forma de carreata. Em 24 de março, Bolsonaro, em pronunciamento, classificou a pandemia como 'histeria' e defendeu a volta da normalidade. Com isso, a taxa de isolamento na capital do Mato Grosso do Sul caiu, assim como em todo o estado.
“Quando a gente baixou o decreto, o campo-grandense estava na faixa de isolamento, conforme orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Salvo engano o pronunciamento do presidente se deu entre os dias 23 e 25 de março (foi em 24 de março) e o índice de isolamento caiu para quase 47%. As pessoas começaram a criar coragem dizendo: “Se o presidente do meu país disse que eu posso voltar as ruas, não será o prefeito que vai me frear”. Isso me atrapalhou um pouco, mas graças a Deus não influenciou no resultado final”, relatou Trad.