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Depois de uma dúzia de anos de investigação com recurso a um radar, um grupo de cientistas italianos relatou a existência de fortes indícios da presença de água líquida e salgada aprisionada debaixo de uma camada de gelo, com quilómetro e meio, na calota do pólo Sul de Marte. O estudo foi publicado esta quarta-feira na revista Science e apresenta os resultados da missão Mars Express, da Agência Espacial Europeia. As investigações feitas graças aos dados do radar MARSIS (Radar Avançado de Marte para Ressonância da Subsuperfície e da Ionosfera), obtidos entre Maio de 2012 e Dezembro de 2015, vieram confirmar o que há muito se suspeitava: há, de facto, água em quantidades relevantes no estado líquido no planeta vermelho.
Ao PÚBLICO, Pedro Mota Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, garante que esta “é uma grande descoberta”, e que a sua relevância “está nas quantidades” agora detectadas.
Marte tem condições que não favorecem a existência actualmente de água líquida (no entanto, pensa-se que no passado que já teve muita água). O planeta é mais frio do que a Terra e a água pura tem o seu ponto de solidificação aos zero graus Celsius – Marte tem uma temperatura média que fica abaixo dos 60 graus Celsius negativos. Também a pressão atmosférica do planeta é muito baixa, o que faz com que, naturalmente, o gelo passe instantaneamente para o estado gasoso, num processo a que se dá o nome de sublimação.
Vários estudos apresentados nos últimos anos apontavam para a existência de água salgada em pequenas quantidades no planeta vermelho, isto porque o próprio sal altera o ponto de fusão (temperatura a que se dá a passagem do estado sólido para o líquido) da água. Mas esta acaba por ser a primeira vez que se encontra uma reserva “estável”.
As condições de existência desta água agora detectada em Marte assemelham-se aos lagos subglaciais da Terra. Pedro Mota Machado diz que este “pode ser um primeiro passo para a confirmação da existência de formas básicas de vida como nós a conhecemos”, apesar de “não ficar descartada a existência de outras formas que não dependem directamente da existência de água”.
O cientista italiano que liderou esta investigação, Roberto Orosei, do Instituto de Radioastronomia (em Bolonha), afirma que “este tipo de ambiente não é o ideal” para a existência de vida, mas, ainda assim “há na Terra microrganismos capazes de viver em ambientes semelhantes”, o que permite alimentar a curiosidade científica. Certo é que estas investigações são longas e “pode levar anos” até se perceber se existe algo a viver nesta camada de água, que se deve encontrar a uma temperatura entre os dez graus negativos e os 70 graus Celsius negativos, e que conta com altas concentrações de magnésio, cálcio e sódio. É, em grande parte, por causa desta elevada concentração de sais que a água se mantém líquida naquele local.