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O menino dos olhos do jiu-jítsu: Ramon Alves e a batalha contra o ceratocone

O menino dos olhos do jiu-jítsu: Ramon Alves e a batalha contra o ceratocone

22/07/2018 às 21h49 Atualizada em 23/07/2018 às 01h49
Por: RegiãOnline
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Por Ben-Hur Correia e Marcelo Barone, Rio de Janeiro

Na beira do tatame, Ramon Alves ouve as orientações do pai e do técnico momentos antes de lutar pelo Rio Challenge. O faixa-amarela, que é da academia GFTeam, em Bento Ribeiro, na Zona Norte do Rio, anseia pela finalização. Especialista em arm-lock, ele ataca, defende, procura passar a guarda, tenta a raspagem - até que "força" os olhos para enxergar o placar na televisão, que repousa sobre a mesa, a pouco mais de um metro da área de combate. É, ali, que dá para notar que o menino - apesar da desenvoltura no dojô - está com a visão prejudicada. Na verdade, não é um simples problema na vista: ele tem ceratocone em estágio avançado - são 10 graus em um olho, e 14 no outro.

Menino quase desiste do jiu-jitsu por problema de visão, mas mundo da luta ajuda jovem

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Se você, caro internauta, não sabe o que é o ceratocone, não se preocupe. A família de Ramon - especialmente os pais Anderson Costa e Daniele Alves - também não fazia ideia do que era a enfermidade, de nome pouco difundido. Em novembro de 2016, quando o diagnóstico do filho mais velho apontou para o problema, no entanto, eles viraram "especialistas" na doença, que enfraquece a córnea pelo ato de coçar os olhos, deixando-a mais curva, semelhante a um cone, e distorcendo a visão.

Ramon supera o problema na vista e compete com frequência nos tatames (Foto: Marcelo Barone)

Ramon supera o problema na vista e compete com frequência nos tatames (Foto: Marcelo Barone)

- Nunca tinha ouvido falar, a gente achou que era uma coisa qualquer. Com o passar do tempo, descobrimos que era uma coisa muito agressiva, que poderia prejudicar muito, atrapalhar o sonho dele de ser lutador, de desenvolver a vida dele profissionalmente, no jiu-jítsu ou não. Foi um choque, uma pancada muito forte para ele ouvir que pode ficar cego se não tratar. Até tratando da melhor forma tem esse risco, é chato - conta o pai, Anderson, em entrevista ao Combate.com.

Aos 13 anos de idade, Ramon não fazia ideia do que viria pela frente. As dores de cabeça, provocadas pela visão embaçada eram constantes. Um óculos, assim como acontece com todo aluno míope, poderia ser a solução. Não era.

- Eu estava começando a forçar a vista. Todo dia sentia dor de cabeça, meu olho coçava muito. Minha mãe me levou para fazer os óculos, mas não estava captando o meu grau. O oftalmologista falou que eu tinha ceratocone, e a gente nem entendeu o que era - recorda o menino, falando com uma naturalidade de um adulto.

Diante da casa onde mora, Ramon segura o quimono ao lado da mãe e do irmão Anthony (Foto: Marcelo Barone)Diante da casa onde mora, Ramon segura o quimono ao lado da mãe e do irmão Anthony (Foto: Marcelo Barone)

Diante da casa onde mora, Ramon segura o quimono ao lado da mãe e do irmão Anthony (Foto: Marcelo Barone)

Em meio a tantas dúvidas, a única certeza no horizonte de Ramon era que, enxergando ou não, seguiria no jiu-jítsu. A paixão pelo esporte falava muito alto, nem mesmo o ceratocone seria capaz de pará-lo - e foi o que ele disse a um dos médicos que, em outras palavras, decretou que ele ficaria cego.

- Eu não entendi (o que estava acontecendo), achei que ia usar óculos e melhorar. Depois eu vi que era grave, que tinha cirurgia, vi que o negócio era sério. Pensei: "Será que vou ficar cego? Não, vou confiar em Deus que a visão vai melhorar. A médica falou que eu tinha que parar de fazer jiu-jítsu, porque era um esporte perigoso, eu podia tomar pancada. Eu falei: "Eu gosto de fazer jiu-jítsu, não vou parar, mesmo que eu fique cego" - comentou Ramon, submetido a uma cirurgia para enrijecer a córnea, já que o transplante é permitido apenas a partir dos 18 anos.

A declaração de Ramon impactou. O jiu-jítsu, que ele tinha medo de praticar quando mais novo devido à possibilidade de quebrar o braço, virou seu porto-seguro. Em vez de lamentar o drama familiar, Ramon e seus pais procuraram tratar o cenário com otimismo. A situação financeira arrochada tornava tudo mais difícil, especialmente quando o menino precisava de um par de lentes especiais, cujo preço variava de R$ 6 mil a R$ 8 mil.

Menino afirma que o arm-lock é sua posição favorita na arte suave (Foto: Marcelo Barone)Menino afirma que o arm-lock é sua posição favorita na arte suave (Foto: Marcelo Barone)

Menino afirma que o arm-lock é sua posição favorita na arte suave (Foto: Marcelo Barone)

Cleiber, presidente da Sport Jiu-Jitsu South American Federation, foi o elo entre a família de Ramon e o doutor Renato Ambrósio, especialista em ceratocone. Faixa-preta de jiu-jítsu, o médico não só encorajou o menino a continuar treinando, como aliviou as finanças da família ao não cobrar pelos exames e nem pelas consultas. É como reza a frase utilizada pelos praticantes do esporte: só o jiu-jítsu salva - até mesmo fora do tatame.

- Não podemos ajudar todas as pessoas, atendemos muita gente com ceratocone e tentamos adequar o custo do tratamento para a possibilidade da pessoa. Ajudar uma pessoa, às vezes, você pode achar que está gotejando no oceano, que não faz diferença, mas faz, sim. Tenho maior prazer de ajudar uma pessoa como o Ramon. (...) Eu faço com muito gosto de ajudar uma pessoa como ele. Vivemos em um mundo capitalista, não dá para ajudar todo mundo sem custo, mas o esforço de cada um, fazendo um pouco, é um grande passo para um mundo melhor. Esse mundo precisa melhorar para deixarmos para as gerações futuras.

Com os pais e a avó, Ramon posa após treinar com seu médico, que é faixa-preta (Foto: Marcelo Barone)Com os pais e a avó, Ramon posa após treinar com seu médico, que é faixa-preta (Foto: Marcelo Barone)

Com os pais e a avó, Ramon posa após treinar com seu médico, que é faixa-preta (Foto: Marcelo Barone)

Daniele, através de um texto escrito em sua conta no Facebook, conseguiu que a história viralizasse. A comunidade do jiu-jítsu se mobilizava para ajudar financeiramente. E Flávio Canto, medalhista olímpico e fundador do Projeto Reação, topou fazer um seminário no qual o valor arrecadado fosse convertido para a família comprar o par de lentes. Foram mais de 70 inscritos - houve quem pagasse mais do que os R$ 40 simplesmente pela vontade de ajudar. O tatame da academia ficou pequeno para tanta solidariedade, que tornará viável a compra das lentes, cuja durabilidade é de, no máximo, um ano e meio.

- A gente é movido a boas causas, e essa é uma ótima causa, uma oportunidade de mostrar ao Ramon que ele não está sozinho nessa luta. É uma oportunidade de fazer algo legal. A arte marcial tem um espírito de família muito forte, muito presente. Um dos valores, seja no jiu-jítsu ou no judô, é a amizade, a lealdade, a cumplicidade, a solideriedade... Então, estamos exercendo o que aprendemos desde a faixa-branca. O princípio máximo do judô chama-se jita kyoei, benefício e prosperidade mútua. É formar um cidadão, um cara que olhe para o lado, compartilhe crescimento. Estamos exercendo o que aprendemos na arte marcial, e o Ramon é a estrela da história.

Canto conversou com o faixa-amarela antes e depois do seminário (Foto: Marcelo Barone)Canto conversou com o faixa-amarela antes e depois do seminário (Foto: Marcelo Barone)

Canto conversou com o faixa-amarela antes e depois do seminário (Foto: Marcelo Barone)

- É como uma segunda família, acho que só o jiu-jítsu faria isso, acho que nenhum outro esporte faria. Eu não entro sozinho, está todo mundo me ajudando.

 

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