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Os elogios àquele a quem chamam o Pelé russo repetem-se. “O rapaz veio para nós da terra das maravilhas”, “ele é o melhor jogador de desportos ao ar livre que a Rússia já produziu”, “um avançado alto e poderoso, possuidor de um bom toque e inteligência futebolística extraordinária”. As frases são de alguns especialistas em futebol. “Se não tivesse sido aquela condenação terrível, Streltsov ter-se- -ia tornado, sem qualquer dúvida, o melhor futebolista do mundo”, remata o antigo campeão de xadrez Anatoly Karpov.
Mas quem é ele e que condenação é essa que faz com que poucos saibam de quem estamos a falar? O seu nome é Eduard Streltsov e a sua carreira como futebolista tinha tudo para dar certo. Nascido e criado nos subúrbios de Moscovo, cedo se destacou no futebol. Aos 16 anos, o treinador do Torpedo, um clube secundário de Moscovo, reparou no jovem e contratou-o. Em 1957, Eduard ficou em sétimo na votação para o Ballon d’Or. Um ano antes, nos Olímpicos de 1956, foi sublime mas lesionou-se na meia-final contra a Bulgária e não pôde jogar na final. A política da altura determinava que era preciso jogar na final para receber a medalha de ouro. O seu colega Nikita Simonyan quis dar-lhe a dele, mas Streltsov respondeu: “Não, Nikita, ainda vou ganhar muitos outros troféus.” Estava enganado.
Em 1958 o jogador é acusado e condenado por ter violado a jovem Marina Lebedeva, numa festa em casa de um oficial. Eduard acaba por confessar o crime, depois de lhe ser dito que se o fizesse poderia ir ao Mundial desse ano. Afinal acaba por ser enviado para um campo soviético, onde fica sete anos. Mas será que Streltsov violou de facto a jovem? “Eu não sei quem a violou, mas ela disse que foi o Streltsov. É uma história negra”, diz um antigo colega do jogador. “Ele escreveu à mãe a dizer que estava a arcar com as culpas em vez de outra pessoa. Foi o sistema que puniu Streltsov”, diz outro. Mas porque é que o sistema puniria uma das suas estrelas desta forma?
Há várias explicações possíveis. Em primeiro lugar, o jogador era conhecido por ser aquilo a que a imprensa chamava “um menino bonito”. Gostava de festas e de penteados modernos, tudo coisas que o regime considerava demasiado “ocidentais”. Além disso, Eduard foi abordado pelo CSKA (a equipa do exército) e pelo Dínamo (a equipa do KGB) e não quis jogar por nenhum. Ao mesmo tempo, surgiam convites de equipas francesas e suecas, e a URSS tinha medo de perder a sua estrela. Junta-se o episódio em que Streltsov recusou casar com a filha da ministra da Cultura, mulher influente e próxima de Kruschev, e temos já vários motivos para afastar o jogador.
Depois de libertado, Streltsov voltou a jogar, e bem, mas a sua oportunidade de brilhar já tinha passado. Acabou por morrer em 1990 de cancro do pulmão, que a sua primeira mulher atribui à comida possivelmente radioactiva da prisão. Em 2001, um comité liderado por Karpov tentou limpar a imagem do jogador.
Inocente ou culpado, uma coisa é certa: em 1997, um dia depois do aniversário da morte do jogador, Maria Lebedeva, a rapariga violada, foi vista a deixar flores na campa de Eduard Streltsov.
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