Dourados News
Imagens: Gizele Almeida
“Levar uma criança indígena para um lugar totalmente desconhecido dela, onde não tem ninguém de seu grupo de referência, ninguém parecido com ela, que fale e entenda seu idioma, que oferte os mesmos cuidados de higiene e alimentação de seu povo é apontado pelas famílias com as quais conversamos como uma violência gigantesca”, expõe a Funai - Fundação Nacional do Índio - em relatório do Serviço de Promoção dos Direitos Sociais e de Cidadania.
O documento, a qual o Dourados News teve acesso, é um mapeamento dos casos de crianças e jovens indígenas em situação de acolhimento institucional e familiar da região de Dourados.
Dados apontam um total de 65 crianças e jovens indígenas em acolhimento institucional na região, destes 50 só em Dourados. Caarapó, Ivinhema, Maracajú e Rio Brilhante abrigam 15 ao todo.
O documento detalha que dos 65 casos de acolhimento, em 62% o motivo foi negligência (abandono, alcoolismo dos genitores) e 38% violência. Deste total, 12 têm irmãos menores de idade de casa, o que retrata que a problemática pode persistir.
As 50 crianças/jovens indígenas estão divididas em quatro instituições em Dourados.
O relatório aponta que como estas unidades são distintas e não integradas, resulta-se na violação de princípios de Serviço de Acolhimento de Crianças e Adolescentes, orientados pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com ênfase a “Preservação e Fortalecimento dos Vínculos Familiares e Comunitários” e “Garantia de Acesso e Respeito à Diversidade e Não discriminação”.
Nestes pontos, são citados por exemplo, o histórico de separação de grupos de irmãos no município e atitudes de discriminação e de alienação parental e étnica. No aspecto de discriminação, o texto aponta ao fato de que “alguns profissionais ligados às instituições não demonstravam qualquer cuidado em verbalizar na frente das crianças suas impressões preconceituosas contra os povos indígenas e seus modos de viver”.
O fato do número de crianças/adolescentes indígenas acolhidos ser bem maior do que de crianças/ adolescentes não indígenas chama a atenção da Fundação. Dos 79 acolhidos em Dourados, 50 são indígenas, ou seja, 62,29%.
“Salta aos olhos a quantidade de crianças e jovens afastados de suas famílias e comunidades, privados do direito à convivência familiar e comunitária junto a seu povo. Por que o número de indígenas é tão maior?”, questiona.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece que o acolhimento familiar ou institucional deve ocorrer no local mais próximo a residência dos pais/responsáveis. Para a Funai, isso não tem acontecido na região, visto que as crianças e jovens tem sido levados para instituições muitas vezes distantes das terras indígenas, o que chega a impossibilitar que os familiares os visitem.
“Devido a distância com a comunidade, a criança vai se acostumando com a ausência dos parentes e conhecidos, vai se acostumando aos novos hábitos que lhe são impostos, esquece os costumes, a língua materna”, destaca o texto.
Para o órgão, muitas dessas denúncias que levaram ao afastamento dos menores, quando acompanhadas corretamente, se reverteriam em medidas de atenção a família. Outro ponto criticado no documento é que afasta-se a vítima do convívio familiar e comunitário enquanto o autor da violência continua solto (violência sexual, física, psicológica, entre outras).
Outros apontamentos são colocados no documento e nas considerações finais do mesmo, o órgão observa que “será necessário aprofundar cada situação identificada e ampliar a escrita do documento e seus desdobramentos para a Funai e para as instituições envolvidas na temática, o que será feito nos próximos meses”.
O levantamento ocorreu em atendimento a tratativas interministeriais realizadas durante Mutirão Interinstitucional para Efetivação do Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e Jovens Indígenas junto a seu Povo, realizado no cone sul do MS, em junho de 2015.
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