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A Centenária Arte Marcial Marajoara

A Centenária Arte Marcial Marajoara

19/08/2017 às 08h32 Atualizada em 19/08/2017 às 12h32
Por: RegiãOnline
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...E Muaná tá na veia, é Soure, é terra, é maré cheia...No rítimo do saudoso grupo paraense Manga Verde iniciamos esta postagem. É sobre uma arte marcial que tem mais de cem anos e é oriunda da Ilha do Marajó, lá no grande estado do Pará, terra de povo forte como um búfalo...

Reportagem publicada na Revista Trip.

Jovêncio Amador é o mestre mais antigo de "Luta Marajoara", nasceu dia 30 de outubro de 1906, na fazenda Tucumã. Pôs no mundo sete filhos e três filhas que se desdobraram em 19 netos, sete bisnetos e dois tataranetos. Jovêncio explica as regras da luta:

Tem palco em uma arena quadrada, de 8 m de lado, vence quem toca as costas do oponente no chão – no caso de um combate equilibrado, leva a melhor quem atacou mais. É praxe a disputa de uma “melhor de três” – daí a explicação da expressão “te dou duas quedas no zero”, típica provocação que um lutador faz para o outro antes do bicho pegar.

No início da luta, os atletas emparelham os pés à frente, numa posição chamada “pés casados”. Nesse momento, as mãos devem estar espalmadas, bem próximas às do adversário, mas sem encostar – só com o sinal do árbitro é que eles se atracam. Boa parte da luta acontece com os atletas em pé. No solo, o árbitro interrompe a ação caso o combate fique travado. Não é permitido chutar, socar, torcer ou estrangular. O que vale mesmo é agarrar e jogar o oponente de costas no chão – e um dos caminhos prediletos para a vitória é a calçada, quando, de cabeça baixa, o lutador tenta laçar o adversário pelas pernas (um bom contragolpe é a "recalçada", quando o atacado busca uma posição ainda mais baixa para surpreender).

De acordo com João de Deus, historiador, a origem da luta data do século 18, criada pelos índios e depois adaptada por negros que chegaram para trabalhar na região e introduziram técnicas africanas no embate. Tal mistura, então, foi perpetuada pela prática freqüente nas fazendas e, às vezes, para resolver desavenças que surgiam durante festas de sábado. “Para não estragar a diversão alheia, marcavam a luta para domingo cedo, na praça do mercado”, explica João.

A fama de um ótimo lutador de uma fazenda logo reverberava na propriedade vizinha – e aí não demorava para acontecer o duelo de titãs. Com o surgimento de cidades, os pais ensinavam o bê-á-bá das técnicas para seus filhos de 3 ou 4 anos. Quando um vaqueiro trazia a notícia que o fulano de tal idade estava dando o que falar numa fazenda, o pai de um moleque da cidade preparava o filho para desafiar o bambambã rural – e não podia fazer feio; caso contrário, o menino acabava apanhando do pai, do tio, do avô... Luta marajoara é coisa séria – não é para a família passar vergonha.

A modalidade esteve prestes a sumir do mapa graças às profundas alterações na sociedade local nas últimas décadas. Com o declínio da educação oferecida nas próprias fazendas, jovens passaram a concluir seus estudos na cidade e desistiram de retornar ao campo. Propriedades gigantescas, antes sinônimo de farta produtividade, faliram ou foram abandonadas. A falta de um calendário anual de lutas favoreceu o desinteresse pela tradição secular – atualmente os torneios só acontecem esporadicamente em festas religiosas (como a de São Sebastião, em Cachoeira do Arari) ou em festas de aniversário de município (como em Soure e Salvaterra).

O empresário Leandro Antonio Lobo Gavinho, de Soure, está fazendo das tripas coração para reverter essa situação. Com o apoio do historiador João de Deus e de políticos como Carlos Augusto Nunes Gouveia, procura deixar a luta marajoara mais competitiva, criando categorias por peso e proibindo golpes, como a recolhida e a enfincada, que podem ser fatais – em alguns municípios da ilha de Marajó ainda não há divisão de categoria e todos os golpes são permitidos.

Foi Gavinho quem apontou três dos principais nomes da nova geração da luta marajoara para um desafio que definisse quem é melhor: Luis Antonio, o Toninho, de 24 anos (seu filho caçula); Iuri Cléber Cardoso Almeida, de 27 anos; e Luís Augusto, o Luisinho, de 23 anos, que trabalha como voluntário civil na Polícia Militar de Soure.

“Meu avô me ensinou a luta, e eu já estou ensinando meu filho, que tem 3 anos”, conta Luisinho. “O problema é que o menino é muito bravo e ainda não entendeu: quando derrubo ele no chão, ele pega pau, pedra e joga em mim...” Toninho foi credenciado ao triangular após ter surpreendido Fereco, um lutador mais velho, extremamente respeitado, famoso por ninguém conseguir derrubá-lo. “Vamos dar uma engatada?”, disse Fereco chamando Toninho para a luta. O rapaz aceitou e acabou levantando seu oponente na altura dos ombros, arremessando-o em seguida ao chão.

O desafio aconteceu em duas autênticas locações de Marajó (ilha a três horas de navio de Belém, cercada pelo Atlântico e pelos rios Amazonas e Tocantins): praia do Pesqueiro (belíssimo lugar para ver pássaros como o avermelhado guará), a 11 km de Soure, e fazenda Bom Jesus. Nas duas ocasiões, por mais que os três lutadores fossem amigos e se conhecessem de longa data, o que se viu foi um pega-pra-capar de alta voltagem. Na areia fofa da praia, Iuri quase tocou as costas de Toninho no solo, mas, como um gato, ele se virou no ar e conseguiu evitar a derrota instantânea.

Na fazenda, sob olhares de búfalos parados em frente ao curral, Iuri voltou a demonstrar mais iniciativa, dessa vez contra Luisinho (pentacampeão regional de luta marajoara), que se safou da derrota imediata graças a uma impressionante soma de agilidade e flexibilidade. “O Iuri deixou claro que está com uma condição melhor de luta. O estilo dele é pressão o tempo todo. Ataca, sem dar descanso ao adversário”, concluiu Gavinho, após os confrontos de cinco minutos cada, dando a vitória do triangular para Iuri.

O nível de preparo de Iuri fez com que ele arriscasse duelos em outros ringues longe da ilha. “A experiência de luta marajoara ajuda muito no vale-tudo”, comenta. No vale-tudo, seu cartel é irrefutável: 16 lutas e 15 vitórias – sendo que a única derrota aconteceu ao quebrar a perna atacando o adversário, que perdia por pontos. “Não sei se é por causa do leite e da carne de búfalo, ou do peixe fresco, mas a garotada de Marajó cresce muito forte. Difícil de derrubar. Os meninos são bons de queda, sabem se livrar logo, não ficam apanhando à toa”, analisa Gavinho.

A história de vida de Iuri é o típico caso que explica o que vem ocorrendo em Marajó: seu pai foi vaqueiro da fazenda Tapera, que já brilhou como a mais importante da ilha, mas hoje está decadente; até os 15 anos ele ficou no campo, aprendeu a lida do gado e conheceu a luta marajoara na hora do banho, quando o pai e o tio passaram a lhe ensinar as primeiras noções. Depois dos 15 anos, foi para a cidade estudar, viveu em Soure, mas acabou indo para a cidade grande – atualmente reside em Belém e luta (literalmente) para pagar o aluguel. “Tenho um filho de 8 anos [Iam] e uma filha de 3 [Taize] nascidos em Soure, mas, como o emprego aqui está cada vez mais difícil, eles vão estudar em Belém”, conta Iuri, ciente de que os filhos estão se distanciando ainda mais das raízes da família.

 

 

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